Hagen von Tronje, vassalo do rei Gunther, dos
burgúndios, leva 144 carros cheios de ouro, de Worms, sede do reino, até um
lugar desconhecido no rio Reno. Trata-se do tesouro do lendário rei Nibelungo,
de que Hagen se apoderara após assassinar o matador de dragões e herói
Siegfried. Então – segundo narra a Canção
dos Nibelungos, o primeiro épico heroico germânico – Hagen submerge o ouro
no Reno.
Uma das
poucas aventuras que restam
No início do século XIII, um autor desconhecido
registrou por escrito a narrativa que inclui um dragão, belas mulheres, o
valente guerreiro Siegfried e uma eterna luta em torno de amor, fidelidade e
traição. No entanto, a Canção é mais do que uma saga com elementos fantásticos,
como sangue de dragão ou um elmo mágico. Ela tem um núcleo histórico, a
decadência da raça dos burgúndios, no início do século V. Figuras como rei
Gunther realmente existiram.
Então, o "ouro
dos nibelungos" poderia ter existido? Até hoje, caçadores de tesouros
sonham em encontrar seu esconderijo. O arquiteto Hans Jörg Jacobi, de Mainz, é
um dos que são obcecados pelo tesouro. Porém o que o impele não é a perspectiva
de riquezas, mas antes a emoção de resolver uma charada literária. Juntamente
com seu falecido pai, ele procurou o esconderijo por cerca de quarenta anos.
"É uma
das poucas aventuras ainda possíveis", comenta Jacobi. Para ele, não
se trata de um conto fantástico, embora admita: "É preciso acreditar na coisa". A Canção dos Nibelungos dedica
apenas uma frase sumária ao local de onde Hagen supostamente lançou o ouro na
correnteza: "Perto do Loche ele o
afundou no Reno".
Busca
obstinada
A palavra "Loche"
já fascina Jacobi há quatro décadas, e ele acredita ter encontrado o local em
antigos mapas cadastrais. "É um nome
e se refere a Lochheim, um lugar que não existe mais hoje". Ele fica
lá onde, até hoje, o Reno tem um de seus pontos mais profundos, o assim chamado
"Schwarzer Ort" (Lugar
Negro), nas proximidades do lugarejo de Gernsheim.
Lá o rio faz uma curva fechada. Além disso, o ponto
está a apenas vinte quilômetros do antigo lar dos burgúndios, a cidade de
Worms. Então, o ouro dos nibelungos estaria a vinte e cinco metros de
profundidade? "Hoje, esse local fica
em terra, ao lado do Reno", explica o arquiteto. Afinal, o rio se
transformou ao longo dos séculos.
Com o auxílio de uma firma de perfurações, Hans
Jörg Jacobi e seu pai chegaram a realizar uma escavação arqueológica nas
cercanias de Gernsheim, na década de 70. No entanto, eles não encontraram o
tesouro: a cerca de dez metros de profundidade, a broca esbarrou em jazidas de
mármore. Mergulhadores tampouco encontraram quaisquer vestígios sob a água.
Mas para Jacobi nada disso é motivo para desistir.
Até hoje ele guarda em casa grossos fichários com os resultados das medições.
"Quero encontrar o tesouro e provar
que a Canção dos Nibelungos está correta".
Símbolo ou
história
A professora de Germanística Anna Mühlherr, da
Universidade de Tübingen, igualmente não acredita que o ouro do Reno seja mera
lenda. No entanto, "eu não
utilizaria 'realidade histórica' como conceito oposto", argumenta.
Para ela, o tesouro é um elemento narrativo, com o qual se ilustra a ascensão e
queda de dinastias.
Esse elemento também aparece em outras sagas
medievais. "O público deve
compreender que não convém mexer com tesouros". No sentido metafórico,
portanto, o poder do rei não devia ser colocado em questão. Ao fim da Canção
dos Nibelungos não sobra ninguém vivo que saiba do paradeiro do tesouro. Mas
isso não significa o fim da narrativa.
O ouro do Reno passou a ser um mito, e isso tem
muito a ver com a história alemã. Embora gozasse grande popularidade na Idade
Média, a Canção temporariamente caiu em total esquecimento. Em 1755
encontrou-se um velho manuscrito, e a partir daí artistas e literatos elevaram
o poema à categoria de épico nacional alemão. Afinal, nada mais adequado para
tal do que uma história de lealdade absoluta perante o próprio povo e o rei.
Em uma época em que ainda não existia um Estado
alemão, o tesouro que repousava no fundo do "Pai Reno" tornou-se
símbolo da unidade nacional. Pintores românticos, a exemplo de Moritz von
Schwind, combinaram motivos de tesouro, como uma coroa dourada, com a bandeira
preta-vermelha-dourada. O que, em meados do século XIX era um sinal do anseio
de muitos revolucionários por um Estado alemão, são hoje as cores da bandeira
nacional.
Da sátira à
ópera
Também na literatura o tesouro dos nibelungos
ganhou contornos nacionalistas. Na primeira metade do século XIX, o poeta Ernst
Moritz Arndt o descreveu como "fulgor
do Reino Alemão". Porém também havia vozes contrárias, como o autor
Heinrich Heine que, no poema Alemanha no verão de 1840, satirizava o mito
nacional, inclusive a "coroa dourada".
O célebre compositor e poeta Richard Wagner dedicou
até mesmo todo um ciclo operística a esse tesouro, a tetralogia O anel do Nibelungo, cujo
"prólogo", O ouro do Reno,
estreado em 1876, abre com as três Filhas do Reno vigiando a preciosidade no
fundo do rio.
Ao desenvolver seu libreto, no entanto, Wagner
orientou-se antes por sagas nórdicas do que pela Canção dos Nibelungos
germânica, e criou novas personagens.
"Mais interessante que o pouso na
Lua"
Hoje em dia a exploração artística do tesouro dos
nibelungos perdeu a carga política, mas sua fascinação se mantém. Produções de
TV, romances fantásticos, obras de arte ou o famoso Festival dos Nibelungos de
Worms ocupam-se intensamente da temática.
As histórias em torno do tesouro chegaram até mesmo
à República de Nauru, no Oceano Pacífico, que já foi colônia da Alemanha e que
em 2003 cunhou uma moeda de ouro de dez dólares com os dizeres "Nibelungen Treasure".
E a caça ao ouro prossegue. Ao lado de Lochheim no
Reno, cogitam-se outros possíveis locais para seu esconderijo, como um campo
cultivado em Rheinbach, no estado da Renânia do Norte-Vestfália. Também lá,
nada foi encontrado até hoje. Mas isso não faz mal, comenta Anna Mühlherr.
"Também
o histórico-imaginário é parte de uma cultura. No mundo da imaginação, o
tesouro é algo bem real". E, quem sabe, um dia ainda serão resgatados
do Reno carros repletos de ouro. Para Hans Jörg Jacobi, tal evento seria "quase mais interessante do que o pouso na
Lua".
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