3 de fevereiro de 2015

Como eram as armaduras das mulheres medievais?

Mesmo que não sejam necessariamente historicamente precisas, representações de armaduras usadas pelos homens em ficções históricas tendem a ter pelo menos algum fundamento na realidade, enquanto a armadura das mulheres é muitas vezes representada de uma maneira mais fantástica. Armaduras decotadas e esculpidas não são práticas e deixam muita área exposta, representando um perigo para as mulheres. Então, essa armadura feminina torneada é uma convenção moderna, ou tem alguma raiz na Idade Média?

Provavelmente, essas armaduras foram totalmente inventadas para criar uma aparência de feminilidade, ou seja, por razões estéticas. Porém, não podemos culpar essas representações por total imprecisão uma vez que é extremamente difícil dizer como realmente eram as armaduras das mulheres medievais. De acordo com o Metropolitan Museum of Art, quando se trata desta época, não há imagens sobreviventes conhecidas feitas de uma mulher em armadura durante sua vida. Isso é verdade mesmo para Joana d’Arc, famosa por ter usado uma armadura encomendada por Charles VII e feita sob medida.

Na época medieval, pinturas e ilustrações retratavam mulheres como amazonas - ou a deusa Minerva - equipadas com armadura. A virtude da fortaleza é frequentemente representada na arte medieval como uma mulher em armadura. Mas os artistas por trás dessas obras podem nunca ter visto uma mulher vestindo um traje desses com seus próprios olhos – é provável que tenham se baseado em especulações ou tradições artísticas. Essas tradições às vezes beiravam o absurdo. Por exemplo, como os artistas se recusavam a retratar mulheres ostentando objetos fálicos, como lanças, chegaram a desenhar mulheres em justas (esporte de luta entre dois cavaleiros com armaduras montados em cavalos) empunhando rocas, ferramentas utilizadas para fiar.

Mesmo fontes textuais de mulheres vestindo armadura são contaminadas pela perspectiva do escritor. O pesquisador James Michael Illston considera uma narração famosa do historiador bizantino Niketas Choniates de mulheres guerreiras durante a Segunda Cruzada, que as descreve cavalgando “como homens”, carregando “lanças e armas como os homens; vestidas em trajes masculinos, que transmitiam uma aparência totalmente marcial, mais masculinizada do que as amazonas”.

Illston propõe que essa descrição não é necessariamente factual, mas sim tem intenção de retratar os francos como incivilizados, um povo que permitia até que suas mulheres fossem para a batalha como homens. Michael R. Evans observa um problema semelhante em escritores cristãos. Mencionar mulheres armadas lutando ao lado de homens nas Cruzadas refletia negativamente sobre os cruzados. Por outro lado, escritores muçulmanos em algumas ocasiões inventaram lendas de mulheres que lutavam para os cristãos pela mesma razão. Sendo assim, muitos pesquisadores aconselham cautela ao ler essas histórias de guerreiras.

No entanto, nós sabemos que as mulheres durante a Idade Média participaram de fato de guerras e, em alguns casos, lideraram exércitos. Além disso, algumas vestiram armaduras, mesmo em períodos em que isso estava intimamente associado à masculinidade. Por outro lado, como muitos homens, muitas mulheres lutaram sem o benefício de armaduras caras. E mulheres que usaram armaduras na qualidade de comandantes militares e estrategistas não receberam um único golpe no campo de batalha.

Um exemplo particularmente incomum de mulheres que lutaram na Idade Média vem do século XII, na Catalunha. Em 1149, as mulheres da cidade de Tortosa se vestiram com roupas de homens e usaram tudo o que estava disponível para lutar contra invasores mouros. Diz-se que Raymond Berenger IV ficou tão impressionado com a coragem dessas mulheres que estabeleceu a Ordem da Machadinha, dando a elas certos privilégios semelhantes aos de cavaleiros, como isenção de impostos. Mas o caso dessa Ordem não é a norma para as mulheres que participaram de conflitos armados. Megan McLaughlin em seu ensaio “The Woman Warrior: Gender, Warfare and Society in Medieval Europe” observa que era muito mais comum para as mulheres se envolverem em guerras em situações de emergência, participando de cercos e comandando tropas na ausência de maridos e pais.

Há poucas guerreiras e comandantes de carreira entre as classes nobres durante a Idade Média: Aethelflaed, a filha de Alfred, o Grande de Wessex, que se juntou a seu irmão Edward em sua campanha para forçar os escandinavos para fora da Inglaterra; Sichelgaita, uma princesa da Lombardia que vestiu uma armadura e liderou tropas no cerco de Durazzo em 1081; e Petronilla de Grandmesnil, que participou da rebelião contra o rei Henrique II ao lado do seu marido, Robert de Beaumont. Relatos de mulheres guerreiras se tornam ainda mais raros no fim da Idade Média, quando a guerra se torna uma coisa mais preparada, envolvendo exércitos e ordens treinadas. O aumento da organização militar deu às mulheres menos oportunidades de participar na batalha como comandantes ou combatentes.

No entanto, “menos oportunidades” não é igual a “zero oportunidades”. Notoriamente, a Guerra dos Cem Anos nos apresentou mulheres como a supracitada Joana d’Arc e Jeanne de Penthièvre. Importante acrescentar, historiadores medievais repetem com certa frequência que as mulheres de armadura eram a exceção, e não a regra. Mulheres blindadas são descritas quase universalmente como guerreiras mitológicas. Outro conceito bem consolidado é que estas mulheres são masculinas em sua aparência quando usando armaduras.

Mulheres guerreiras são geralmente descritas vestindo malha e correntes que protegiam seus braços, tronco e coxas. O historiador anglo-normando Jordan Fantosme contou que quando Petronilla de Grandmesnil foi capturada durante a rebelião contra o rei Henrique II, “carregava uma espada e um escudo”. Descrições dessas mulheres usando capacetes também existem. Não é o caso de Joana D’Arc. Os poucos relatos de sua armadura indicam que ela não usava qualquer adorno, nem mesmo a flor-de-lis que a atriz Leelee Sobieski utilizou quando a interpretou. E, embora a armadura de Joana tenha sido projetada pensando em praticidade, é importante lembrar que ela serviu como um símbolo e uma estrategista militar, não uma guerreira em campo de batalha.

No geral, apesar de relatos históricos de mulheres em lutas se vestindo como homens ou, pelo menos, com armaduras masculinas, “guerreiras feminizadas” não é apenas uma convenção moderna. Mesmo na Europa Medieval, autores de romances tinham dificuldade em retratar as mulheres tanto blindadas quanto femininas. Assim, algumas foram descritas como “rapazes” enquanto vestiam armadura, revertendo à condição feminina só depois de sua morte. Histórias de mulheres disfarçadas de cavaleiros homens também eram populares. Só depois que derrotavam seus adversários e tiravam suas armaduras é que revelavam seu gênero.

Fontes: 01 e 02.

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