Mesmo que não sejam necessariamente historicamente
precisas, representações de armaduras usadas pelos homens em ficções históricas
tendem a ter pelo menos algum fundamento na realidade, enquanto a armadura das
mulheres é muitas vezes representada de uma maneira mais fantástica. Armaduras
decotadas e esculpidas não são práticas e deixam muita área exposta,
representando um perigo para as mulheres. Então, essa armadura feminina
torneada é uma convenção moderna, ou tem alguma raiz na Idade Média?
Provavelmente, essas armaduras foram totalmente
inventadas para criar uma aparência de feminilidade, ou seja, por razões
estéticas. Porém, não podemos culpar essas representações por total imprecisão
uma vez que é extremamente difícil dizer como realmente eram as armaduras das
mulheres medievais. De acordo com o Metropolitan
Museum of Art, quando se trata desta época, não há imagens sobreviventes
conhecidas feitas de uma mulher em armadura durante sua vida. Isso é verdade
mesmo para Joana d’Arc, famosa por ter usado uma armadura encomendada por
Charles VII e feita sob medida.
Na época medieval, pinturas e ilustrações retratavam
mulheres como amazonas - ou a deusa
Minerva - equipadas com armadura. A virtude da fortaleza é frequentemente
representada na arte medieval como uma mulher em armadura. Mas os artistas por
trás dessas obras podem nunca ter visto uma mulher vestindo um traje desses com
seus próprios olhos – é provável que tenham se baseado em especulações ou tradições
artísticas. Essas tradições às vezes beiravam o absurdo. Por exemplo, como os
artistas se recusavam a retratar mulheres ostentando objetos fálicos, como
lanças, chegaram a desenhar mulheres em justas (esporte de luta entre dois
cavaleiros com armaduras montados em cavalos) empunhando rocas, ferramentas
utilizadas para fiar.
Mesmo fontes textuais de mulheres vestindo armadura
são contaminadas pela perspectiva do escritor. O pesquisador James Michael
Illston considera uma narração famosa do historiador bizantino Niketas
Choniates de mulheres guerreiras durante a Segunda Cruzada, que as descreve
cavalgando “como homens”, carregando
“lanças e armas como os homens; vestidas
em trajes masculinos, que transmitiam uma aparência totalmente marcial, mais
masculinizada do que as amazonas”.
Illston propõe que essa descrição não é
necessariamente factual, mas sim tem intenção de retratar os francos como
incivilizados, um povo que permitia até que suas mulheres fossem para a batalha
como homens. Michael R. Evans observa um problema semelhante em escritores
cristãos. Mencionar mulheres armadas lutando ao lado de homens nas Cruzadas
refletia negativamente sobre os cruzados. Por outro lado, escritores muçulmanos
em algumas ocasiões inventaram lendas de mulheres que lutavam para os cristãos
pela mesma razão. Sendo assim, muitos pesquisadores aconselham cautela ao ler
essas histórias de guerreiras.
No entanto, nós sabemos que as mulheres durante a
Idade Média participaram de fato de guerras e, em alguns casos, lideraram
exércitos. Além disso, algumas vestiram armaduras, mesmo em períodos em que
isso estava intimamente associado à masculinidade. Por outro lado, como muitos
homens, muitas mulheres lutaram sem o benefício de armaduras caras. E mulheres
que usaram armaduras na qualidade de comandantes militares e estrategistas não
receberam um único golpe no campo de batalha.
Um exemplo particularmente incomum de mulheres que
lutaram na Idade Média vem do século XII, na Catalunha. Em 1149, as mulheres da
cidade de Tortosa se vestiram com roupas de homens e usaram tudo o que estava
disponível para lutar contra invasores mouros. Diz-se que Raymond Berenger IV
ficou tão impressionado com a coragem dessas mulheres que estabeleceu a Ordem
da Machadinha, dando a elas certos privilégios semelhantes aos de cavaleiros,
como isenção de impostos. Mas o caso dessa Ordem não é a norma para as mulheres
que participaram de conflitos armados. Megan McLaughlin em seu ensaio “The Woman Warrior: Gender, Warfare and
Society in Medieval Europe” observa que era muito mais comum para as
mulheres se envolverem em guerras em situações de emergência, participando de
cercos e comandando tropas na ausência de maridos e pais.
Há poucas guerreiras e comandantes de carreira
entre as classes nobres durante a Idade Média: Aethelflaed, a filha de Alfred,
o Grande de Wessex, que se juntou a seu irmão Edward em sua campanha para
forçar os escandinavos para fora da Inglaterra; Sichelgaita, uma princesa da
Lombardia que vestiu uma armadura e liderou tropas no cerco de Durazzo em 1081;
e Petronilla de Grandmesnil, que participou da rebelião contra o rei Henrique
II ao lado do seu marido, Robert de Beaumont. Relatos de mulheres guerreiras se
tornam ainda mais raros no fim da Idade Média, quando a guerra se torna uma
coisa mais preparada, envolvendo exércitos e ordens treinadas. O aumento da
organização militar deu às mulheres menos oportunidades de participar na
batalha como comandantes ou combatentes.
No entanto, “menos oportunidades” não é igual a “zero
oportunidades”. Notoriamente, a Guerra dos Cem Anos nos apresentou mulheres
como a supracitada Joana d’Arc e Jeanne de Penthièvre. Importante acrescentar, historiadores
medievais repetem com certa frequência que as mulheres de armadura eram a
exceção, e não a regra. Mulheres blindadas são descritas quase universalmente
como guerreiras mitológicas. Outro conceito bem consolidado é que estas
mulheres são masculinas em sua aparência quando usando armaduras.
Mulheres guerreiras são geralmente descritas
vestindo malha e correntes que protegiam seus braços, tronco e coxas. O
historiador anglo-normando Jordan Fantosme contou que quando Petronilla de
Grandmesnil foi capturada durante a rebelião contra o rei Henrique II, “carregava uma espada e um escudo”.
Descrições dessas mulheres usando capacetes também existem. Não é o caso de
Joana D’Arc. Os poucos relatos de sua armadura indicam que ela não usava
qualquer adorno, nem mesmo a flor-de-lis que a atriz Leelee Sobieski utilizou
quando a interpretou. E, embora a armadura de Joana tenha sido projetada
pensando em praticidade, é importante lembrar que ela serviu como um símbolo e
uma estrategista militar, não uma guerreira em campo de batalha.
No geral, apesar de relatos históricos de mulheres
em lutas se vestindo como homens ou, pelo menos, com armaduras masculinas, “guerreiras
feminizadas” não é apenas uma convenção moderna. Mesmo na Europa Medieval,
autores de romances tinham dificuldade em retratar as mulheres tanto blindadas
quanto femininas. Assim, algumas foram descritas como “rapazes” enquanto
vestiam armadura, revertendo à condição feminina só depois de sua morte.
Histórias de mulheres disfarçadas de cavaleiros homens também eram populares.
Só depois que derrotavam seus adversários e tiravam suas armaduras é que
revelavam seu gênero.
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